Eu
não sabia se deveria sentir ódio ou amar o jeito como ela andava.
O pano mole da saia de vários
babados se mexia em tantos movimentos que achar um padrão me tornava só mais um
cara idiota olhando-a. Não olhava o que ela tinha a oferecer por detrás da
roupa... Olhava os movimentos.
Os quadril indo de um lado para o
outro, o que me lembrava infantilmente o movimento daquele brinquedo de parque
de diversões, que é um barco.
Eu não sabia se deveria sentir ódio
ou amar o jeito como ela me fazia ficar bobo. Ela distribuía sorrisos pela rua,
junto de acenos, e malditamente parecia uma miss. Tão simpática.
Na feira ela tinha o prazer de comer
sem levar. Parecia pagar com as próprias mordidas o preço da satisfação do
feirante. Eu a acompanhava e também me tornava vítima de todo o charme.
Às vezes eu sentia como se ela me
puxasse por uma corrente invisível, amarrada ao meu pescoço. Era a minha dona em
silêncio, porque fingia que não me possuía, assim como eu fingia não estar
possuído por tanto libido, vindo dela e de mim.
Eu não sabia se deveria sentir ódio
ou amar o jeito como seus cabelos castanhos ondulavam e cacheavam.
Segui-los em tantos movimentos era
uma tarefa difícil. Subiam e desciam, iam de um lado para o outro. Pareciam
pesados, mas o vento facilmente os fazia virar ondas num mar escuro sem água.
Aproximar-se deles era sentir o
melhor dos odores. Eu tinha a impressão de cada dia ela os lavava com um
shampoo diferente, porque cada dia o perfume mudava, mas coincidentemente eram
sempre os meus cheiros favoritos.
Eu não sabia se deveria sentir ódio
ou amar o jeito como eu sempre era posto para trás.
Cercava-me a impressão de que eu
sempre a seguia. Podíamos começar o mesmo caminho juntos, mas no minuto
seguinte ela estava à frente, como se quisesse parecer o que ela era: livre. Na
verdade eu me contentava em crer que ela simplesmente queria me seduzir com os
quadris, cabelos, odores...
Ela não precisava de um cara ao seu
lado, lhe dando proteção e lhe servindo de placa “sou comprometida”. Ela era
minha, mas não era. Tínhamos uma relação, mas não tínhamos. Não da porta de
casa para fora.
O problema é que quando estávamos
juntos, ela me fazia acreditar que não existia mundo além da nossa cama.
Algumas vezes eu chegava a acreditar
que ela mandava em cada pedaço daquele quarto.
Ela era quem media a quantidade de
luz que entraria pela janela delgada e atingiria se corpo moreno envolto pelo
lençol branco que a serpenteava.
Ela era quem selecionava as poeiras
que pairavam no ar contra a mesma luz, escolhendo só as que brilhassem e fosse
tornar sua imagem ainda mais divina.
Ela era também quem controlava o
tempo, e deixava tudo isso em câmera lenta, mas muitas vezes tão rápido que
fazia a cama ranger. E então, consequentemente, ela era quem regia toda a nossa
sinfonia, com sons ora altos, ora baixos, ora rosnados, ora estalados...
Eu não sabia se deveria sentir ódio ou amar quando ela parava de repente e me fazia se chocar contra seu corpo, devido à
inércia.
Ela se virava para mim com as sobrancelhas
formando um V e falava tantas coisas, reclamando do esbarrão, mas logo eu
começava a rir e ela me acompanhava na risada.
Eu ria porque achava engraçado o
fato de não estar prestando atenção em nenhuma das palavras de reclamação dela,
mas sim nos olhos. Olhos esses que eu ainda sim, depois de um bom tempo, não sabia de que cores eram.
Eram das minhas cores favoritas.
Eu não sabia se odiava ou amava
tê-la, mas não ter.
Viver com ela era dividi-la com cada
olhar na rua.
Ela não sabia, mas eles não a
olhavam como eu olhava. Eu não sabia, mas ela não precisava do meu olhar, e sim
do olhar deles.
Ela não queria amor, romance,
paixão. E talvez por sentir tudo isso pela bela, muitas vezes eu me confundia e
a odiava. Pergunto-me se a amo mais do que odeio, ou se odeio mais do
que a amo.
Deveria eu odiar quem amo? Não parecia o correto, mas odiava o fato dela não me amar, e disso eu não possuía dúvidas.
Deveria eu odiar quem amo? Não parecia o correto, mas odiava o fato dela não me amar, e disso eu não possuía dúvidas.